A fome da China por proteína animal trouxe alento ao pecuarista, preocupação para economistas e mudanças no prato do brasileiro

Em agosto de 2018 a China anunciou que iria abater mais de 1 milhão de porcos para combater o avanço da peste suína. A notícia estremeceu o mundo dos negócios.

Primeiro, pela relevância do mercado consumidor chinês, no que se refere à carne de porco. Estima-se que metade dos porcos do mundo estava na China à época.

Por outro lado, dezenas de especialistas apontaram que os números oficiais do governo chinês estavam muito subestimados, ou seja, cerca da metade dos 300 milhões de porcos da China teriam sido abatidos.

O número representaria 25% de todos os porcos do planeta. Um prejuízo calculado em 127 bilhões de euros a Pequim.

Além disso, centenas de áreas produtivas foram interditadas pela autoridade sanitária do país asiático. O mercado mundial se deparou com uma grande oportunidade comercial, mas, também, com uma gigantesca encruzilhada.

A pergunta era: Vender ou não vender aos chineses que estão em franca guerra comercial com os EUA?

ANO DO PORCO CHINÊS MUDOU O MERCADO DO BOI

Desde 05 de fevereiro de 2019, estamos no ano 4717 do calendário chinês, o ano do Porco. O suíno é tão importante para a população chinesa que até mesmo o símbolo em mandarim para designar a palavra “lar” tem a representação de um porco num telhado.

Não é de se espantar que o governo que representa mais de 1,45 bilhões de consumidores fosse ao mercado para suprir a falta de proteína animal. Mas, ao contrário de porcos, os negociadores chineses encontraram carne bovina no mercado mundial.

SAI O PERNIL ENTRA O FILÉ

Em 1982 o consumo de carne per capita na China girava em torna de 13 kg. O alimento era tido como uma refeição para milionários. O crescimento econômico popularizou o acesso a todos os tipos de carne.

Segundo dados de 2016, os chineses consumiam 28% de toda carne do mundo. Isso significa que cada chinês comia 63 kg de carne por ano. Deste montante, apenas 6 kg eram de carne bovina. Claramente uma mudança de hábitos alimentares está em curso na maior economia do mundo.

Em termos comparativos, hoje o brasileiro consome cerca de 90 kg (35 kg bovina) de carne por ano e, nos EUA o consumo per capta é de cerca de 100 kg (27 kg bovina).

LEI DA OFERTA E PROCURA E A PREOCUPAÇÃO COM A INFLAÇÃO

Em junho de 2015, a China voltou a importar carne bovina brasileira após uma suspensão iniciada em 2012, devido a um caso de vaca louca registrado no Paraná. Naquele momento, os chineses representavam cerca de 1% das exportações brasileiras do produto.

Porém, com as negociações retomadas, em apenas oito meses, a China se tornou o maior destino das carnes bovinas do Brasil no exterior.

Em meados de março de 2019, as cotações de mercado do produto desossado no Brasil transitavam entre a estabilidade e discretas valorizações.

O cenário começou a mudar entre setembro e outubro. As exportações de carne bovina do Brasil para a China deram um salto de 62% em relação ao mesmo período a 2018.

Os chineses utilizaram do poderio financeiro para ofertar preços mais altos aos pecuaristas brasileiros a fim de cobrir a forte demanda interna.

Um fator conjuntural que facilitou este processo foi a desvalorização do real frente ao dólar.  A moeda chinesa – renminbi – também sofreu desvalorização. O caminho para o alto volume de compras do gigante asiático estava pavimentado.

A CHINA NÃO VEIO SÓ AO BRASIL COMPRAR CARNE

Em agosto deste ano os chineses realizaram uma grande compra de carne bovina do Uruguai. Isso obrigou os uruguaios a comprar cortes menos nobres do Brasil, Paraguai e Argentina. Além disso, o mercado da Rússia voltou a importar carne brasileira.

Já a demanda interna no Brasil também aumentou.  Isso ocorreu por uma leve aceleração da economia devido ao recebimento do 13º salário, em conjunto com o saque de até 500 reais do FGTS a partir de setembro.

Como consumo interno e externo subindo, veio o temor da inflação. Entre janeiro e novembro, o IPC-Fipe acumulou inflação de 3,43%. No período de 12 meses até novembro, o índice avançou 3,53%, recorde dos últimos anos.

O preço da arroba do boi subiu 34,5% em apenas um mês e chegou a ser negociada a R$ 232,09, novo recorde em São Paulo. No começo de outubro o valor era de R$ 157.

NESTE CENÁRIO, A ALTA NOS PREÇOS DA CARNE ERA INEVITÁVEL

De acordo com a Associação Brasileira de Frigoríficos – Abrafrigo – normalmente o mercado externo adquire cerca de 20% da produção total do país. Mas, no momento, o percentual foi ultrapassado.

“É uma situação de mercado, que fortalece todo o setor da pecuária e sua cadeia produtiva – do criador às empresas – e que é inevitável diante da procura pelo produto brasileiro, já que há muito tempo não ocorriam elevações nos preços ao consumidor”, explica o presidente executivo da Abrafrigo, Péricles Salazar.

Outros economistas pedem cautela aos produtores. “Os pecuaristas devem ser cuidadosos ao tomar decisões sobre o ritmo de expansão, considerando o alto custo para a compra de bezerros, que levam cerca de três anos para chegar ao abate. Comprar um bezerro caro significa que o pecuarista precisará vender o boi gordo a um preço ainda maior”, diz César de Castro Alves, consultor de agronegócio do Itaú BBA.

Com o preço da carne subindo, o consumo interno ficou delicado. “Não sabemos até quando esse fôlego chinês vai durar. O preço do boi gordo vai recuar no momento em que a China frear as importações. Os brasileiros não têm renda suficiente para arcar com o atual nível de preços”, disse Alves.

Com isso, a procura por ovos e frango aumentou. O consumo de carne caiu. Foi nítido que até donos de restaurantes decidiram diversificar o cardápio. Quem dirá a dona de casa.

PRODUÇÃO EM ALTA E NOVOS MERCADOS SURGINDO

A produção de carne no Brasil é alta. Nosso rebanho bovino é de 232 milhões de cabeças. Média de 1,8 bois por hectare, o que é considerada uma média baixa em relação ao mundo.

Novos clientes importantes como Turquia e Indonésia estão surgindo. Mas, depois de 12 semanas de altas, ao que tudo indica, os preços da carne alcançaram um teto e pararam de subir.

Para a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec),
de janeiro a novembro, as vendas registraram 1,673 milhão de toneladas, com avanço de 12,33% em relação ao mesmo período de 2018. O faturamento teve crescimento de 12,6% ao atingir um total de US$ 6,748 bilhões.

Para o 2020, o faturamento deve ter um crescimento de 15%, com receita de US$ 8,5 bilhões.

COMO FICA O PREÇO DA CARNE

A China foi às compras. A atitude influenciou o mundo todo. Na Alemanha e em parte da Europa o preço da carne também subiu. O atual surto da peste suína já atinge além da China, a Mongólia, o Vietnã, a Rússia e países do leste europeu.

A demanda chinesa por carne bovina brasileira pode diminuir quando o país asiático resolver seu déficit de proteínas ou quando finalmente fechar um acordo comercial com os EUA.

Dessa forma, tanto os rebanhos nacionais, quanto o estoque de carne mundial estarão de certa forma estabilizados.

O momento é estratégico para o pecuarista brasileiro. Investir em tecnologia é o melhor caminho para garantir o bom aproveitamento do rebanho.

A doença que pode matar um porco em apenas 48 horas, não apresenta risco à saúde humana, mas colocou na mesa do brasileiro o poder do contracheque chinês.

P.S: Nas primeiras semanas de dezembro o preço da arroba em SP, MT, GO e MG, estabilizou-se num patamar um pouco maior de antes da euforia das compras chinesas.

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